UM
PANORAMA DA TRAJETÓRIA DA LITERATURA COMPARADA
FRANCISCA LUCILENE SANTOS DA
SILVA
O presente trabalho tratará do
percurso histórico da Literatura Comparada, da tentativa de alguns teóricos em
delimitar seu campo de estudo bem como alguns conceitos explorados no decorrer
da história dessa disciplina.
As origens da Lieratura Comparada
se confundem com as da literatura, por isso, muitas são as tentativas ao longo
dos anos de defini-la assim como seu objeto de estudo. Dentre os que tentaram
fazer isso estão Philaréte Chasles, Paul Van Tieghem, Hennry H. H. Remak, Wellek, Durisin, Adriano Marino entre outros.
Philaréte Chasles
na sua obra “Litérature étrangére comparée” procurou definir o objeto da
literatura comparada através da influência, pois um escritor pode muito bem ser
influenciado pela História e cultura de seu povo, ou seja, pela forma de pensar
de uma nação. Essa questão da influência veio á tona porque q questão da
identidade estava sendo discutida em toda a Europa.
Brunitiére foi um
dos precursores na defesa da literatura comparada, defendendo o “cosmopolismo”
da literatura, pois no estudo das literaturas não se deve ser considerados
apenas aspectos nacionais. A discussão a respeito da literatura comparada se
tornou initerrúpta buscando responder: qual
o objeto da literatura comparada? A comparação pode ser objeto de uma
disciplina? Se literaturas específicas não têm seu cânon, o que seria um cânon
comparativo? Como o comparatista seleciona seu objeto de comparação? A
literatura comparada constitui uma disciplina? Ou é apenas um simples campo de
estudos? (perguntas apresentadas na introdução
de Comparative Lierature de Susan Basssnet). A seguir serão expostos os
pensamentos de alguns representantes dessa duradoura discussão.
O ponto de partida
na tentativa de compreender o objeto de estudo da literatura comparada, foi a
obra de Paul Van Tieghem intitulada La
littérature comparée, publicada em 1931, onde o conceito de literatura
comparada, se explicita como disciplina que se situa entre a história literária
de ama nação e a historia geral, portanto e uma disciplina independente com seus
próprios métodos. Este comparatista francês separou a literatura comparada da
literatura geral, ao passo que a primeira trata
das relações entre as lieraturas nacionais ou internacionais enquanto
que a segunda sintetiza oque há de comum entre literaturas.
O comparatista
espanhol Cláudio Guillén, retoma esta questão no seu livro “Entre lo Uno y lo Diverso: introdiución a La
Literatura comparada” dizendo que, a literatura comparada e a literatura
geral não são independentes, o que não quer dizer que não haja diferenças entre
elas, estabelecendo uma relação entre o papel exercido pela literatura geral
que é cumprido pela teoria literária, o que prova suas relações de dependência.
Outra definição de
literatura comparada é de Hennry H. H. Remak, no seu artigo “Comparative Literature, Its Definicion and
funcion”, no qual procurou definir literatura comparada:
Literatura
comparada é o estudo da literatura, além das fronteiras de país particular, e
estudo das relações entre literatura, de um lado, e outras áreas de
conhecimento, e da crença, tais como as artes ( ex: pintura, escultura,
arquitetura, música), filosofia, história, ciências sociais, religião etc., Em
suma, é a comparação de uma literatura com a outra ou outras, e a comparação da
literatura com outras esferas da expressão humana( Remak,1971,p1 apud Nitrini)
Como
se pode notar a proposta de Remak é inserir outras ciências e outros campos do
saber no campo da lieteratura comparada o que foi de encontro com as escolas
amricana e francesa, pois ambas admitiam que a literatura comparada fosse uma
disciplina isolada, já que a escola
francesa privilegiava os métodos históricos enquanto que os americanos defendia
o paralelismo.
Mais tarde na
década de 50 aparecem novos defensores
das idéias ( anti- historicistas), René Entiemble, estuda obras afastadas no
tempo, desconsiderando a história no estudo da literatura comparada como
principal foco.Nos anos 60 e 70 há uma tendência para a conciliação entre
as entre as escolas( francesa e
americana) , na visão de Phois , Rousseau e Haskell Block, apontando para o
valor intrínseco da obra literária tanto na América quanto na Europa. A metodologia da tendência francesa, no
pensamento de Paul Van Tieghem, qualquer estudo deve levar em consideração três
elementos: o emissor ,o receptor e o transmissor, por isso no trabalho com a
literatura comparada não se deve levar em consideração apenas o texto, uma vez
que a vida do autor bem como a do receptor e as condições em que o texto foi
produzido deve sim serem colocadas em
questão. Há duas maneiras de se estudar a literatura comparada segundo ele: sob
o ponto de vista da passagem (texto em si) e sob o ponto de vista do receptor (as
condições sociais e psicológicas em que este texto foi produzido), no entanto
há para ele outra forma de estudo, as dos intermediários (indivíduos, meios sociais,
críticas, tradução e tradutores).
Esses princípios
metodológicos do estudioso francês foram criticados por René Wellek, ele não
criou nada novo, mas contribuiu ao propor um fundamento para os estudos
literários baseado na tríade: história/ teoria/critica literárias. Para Wellek
o objeto da literatura comparada se tornou que obsoleto por causa d a enorme
gama de paralelismo, de similaridades e identidades que na visão dele não
contribuiu em nada para teoria literária. Wellek não descreveu explicitamente
uma metodologia da literatura comparada, mas acredita que ela se define pela
perspectiva e espírito.
A legitimidade e
alcance humano da literatura comparada se fez na voz de Munteano , em “situation de la littératura comparée. As portée
humamaine et légitmité”, par ale são
três s vias responsáveis pela comunicação entre os pólos individual ( emissor)
e universal (
receptor), para este estudioso a
dificuldade para a literatura comparada
não está em demonstrar sua legitimidade mas em
determinar seus limites, numa linha humanista dos estudos literários
Munteano define literatura comparada.
[...]
no rastro da eterna dialética, em pleno processo mental e virtual da “comparação”,
o acesso próprio aos homens, e não menos a natureza, em geral, vale dizer; em
plena concordância militante, em plena luta. De onde já seu alcance humano, que
vem se aprofundar ainda mais as constantes estruturais sobre as quais a
literatura comparada deve sustentar o edifício movediço da história, e que
empurram as raízes profundas na mesma substância humana, das quais retiram suas
seivas vitais. (Munteano apud Nitrini).
Percebe-se aqui que
a literatura comparada se faz no processo da história e como quem faz a
história são os seres humanos ela se revela por meios de processos
humanísticos.
No comparatismo de
René Etiemble a concepção mecânica de influência foi questionada em “Comparaison n’est pás raison”, na qual
admite a legitimidade da comparação mesmo quando não houver influência.
Etiemble pensa que a literatura comparada nunca chegará a definir sua identidade,
se os estudos históricos dos franceses
não forem considerados como fim supremo, para ele as duas escolas não são inconciliáveis, propondo uma renovação
radical d literatura comparada tradicional, negando o estudo das influências
num sentido único, a transgressão e a superioridade de algumas grandes
literaturas sobre o resto o resto, sem levar em consideração que toda
literatura pode servir de base para outra. Ele nunca negou o nacionalismo exagerado, a resistência às
influências estrangeiras. No seu projeto, cada literatura que recebe
influências estrangeiras contribui de alguma forma para a literatura comparada,
uma vez que nenhuma literatura é impermeável.
O comparatismo do
leste europeu também contribuiu para quebrar a polaridade de aproximação das
escolas francesas e americanas. A partir de 1967 os teóricos do leste Europeu
começam confrontar com os países ocidentais, concordando com certos
pressupostos metodológicos e metódicos, inclusive os histórico-literários.
Victor Zhimunsky foi um dos representantes do leste, com sua fundamentação
hipotética da literatura comparada, que muito contribuiu para investigação
marxista. Ele retoma a teoria levantada por Veseloski, considerado o fundador
do comparatismo, se afastando do modelo da influência literária. A mais
importante tese de Veseloski é da
“correntes de convergência” essencial para a realização de contatos literários,
no qual ele enfatizou o papel do
receptor no processo de aceitação do elemento externo ( o social). O
comparatista húngaro Söter, considera a literatura universal como o sistema dos
sistemas, que engloba todas as literaturas nacionais, pois toda literatura
nacional advém da literatura universal, mas pode acontecer o contrario, sendo
assim qualquer estudo literário fracassaria se se encerrar nos limites da
literatura nacional.
A crise da
literatura comparada nos anos 80 se faz com base na reflexão de Adrian Marino,
discípulo de Entiemble, em ”Comparattisme
et théorie de la littérature”, no qual ele nega os princípios
epistemológicos dos franceses e
critica os americanos, sua ideia
principal é converter a literatura comparada em teoria, baseando-se em três
aspectos: a renovação do conceito de literatura universal, a dissociação
do comparatismo da ideia de comparação e visão global do conceito de
literatura(histórica, morfológica e teórica).Marino não consegue resolver a
crise da literatura comparada e não
consegue defini-la, deixando espaço para críticas posteriores. No final do
século XX se inaugurou uma nova fase da história literária, quando se observou
uma preocupação com a identidade cultural nacional, inaugurando uma nova fase
da literatura comparada, os países do chamado terceiro mundo começam a
questionar o cãnon dos grandes escritores europeus, inaugurando a literatura
pós-colonial, onde os fatores históricos, sociais e econômicos foram levados em
consideração, isto é houve uma valorização da cultura nacional.
Ana Pizarro foi uma
dos representantes dos estudos para a sistematização das direções do
comparatismo na América Latina, ela se baseou nas reflexões de Ángel Rama e
Antonio Candido (identidade da cultura latino-americana). Pizarro descarta
totalmente o modelo comparatista metropolitano, pensando que há um campo
metodológico a ser estudado adequado na América Latina e que, portanto a crise
do comparatismo no final do século XX não é universal.
Umas das propostas
teóricas mais pertinentes dos anos 80 é a de Dionys Durisin “Theory of Literacy Comparatistics”, de
acordo com este teórico, o objetivo da literatura comparada é a essência
tipológica e genérica do fenômeno literário, se valendo da dialética
individual/geral dentro do processo literário, ocorrendo um movimento dialético
entre as duas partes, partes estas que
para ele estão estreitamente interligadas, considerando os contatos externos
necessários para os estudos Interliterário, gerando assim um processo de
intertextualidade nos fenômenos literários (autor, escola, gênero, tendência e
literatura nacional).
O precursor da
teoria do polissitema foi Even Zohar, na década de 60, baseando-se no
formalismo russo dos anos 20, vale lembrar que essa teoria não se limita ao
campo da literatura. Na sua obra “Polysistems
theory”(1990), ele lembra que dentro do formalismo russo o conceito de
literatura sofreu muitas transformações, chegando a ser encarada por alguns
como cultura. Na concepção de Nitrini, o
polissistema é um todo multiplamente estratificado em que as relações entre o
centro a periferia constitui uma série de oposições. Na teoria polissistêmica
não se pensa de um centro e de uma periferia , pois não privilegia uma única
linha mas todas onde a literatura recebe influências das periferias e mais só
do centro, considerando o dito não-canônico dentro da literatura, já que o
centro do polissitema é o repertório
canônico, que concebido através de padrões culturais, cultivados pela elite a
dita literatura dos povos mais abastados no ponto de vista econômico e cultural.
O texto constitui um fator ativo no polissitema, como se pode observar no
seguinte esquema:
Instituição
(contexto)
Repertório
(código)
Produtor TEXTO Consumidor
(escritor)
(receptor, leitor)
Mercado
(contato)
Produto
(mensagem)
O texto nem sempre
é o elemento central do polssistema, podendo haver uma relação de
interdependência entre estes fatores. Zohar não explicita o objeto de estudo e
o método da literatura comparada, mas toma posição diante do comparatismo
tradicional, opondo-se a ideia de uma essência da literatura.
Dentre os conceitos
que funcionaram como elo entre “Percursos Históricos e teóricos” e “Literatura
Comparada no Brasil”, estão a Influência, a imitação e a Originalidade. O
conceito de influência apesenta duas concepções diferentes, a de soma de
relações de contato de qualquer espécie e a de ordem qualitativa. A influência
pode ser confundida com imitação, neste caso a primeira Não se refere a
detalhes materiais e a segunda sim, a influência não se revela de maneira concreta mas deve
ser buscada, se apresenta de maneira sutil. A originalidade é assimilação,
absorção é semelhante ao antropofagismo do Realismo Brasileiro “O desejo de originalidade é o pai de todos
os empréstimos, de todas imitaçãoes”( Valéry,1974 apud Nitrini), portanto o
mais é o mais influenciado.
A teoria da
intertextualidade apareceu dentro do contexto de renovação dos estudos de
literatura comparada, esta teoria concebida por júlia Kristeva trata da
presença de um texto dentro do outro , pois:
“A intertextualidade se insere numa
teoria totalizante do texto, englobando suas relações com o sujeito, o inconsciente
e a ideologia, numa perspectiva semiótica”(...). “Todo texto se constrói como
mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de outro texto. Em
lugar de noção de intersubjetividade, instala-se o da intertextualidade e a
linguagem poética”. (Kristeva,1969).
Como se pode notar
há uma situação de ambivalência implicando a inserção da história e da
sociedade no texto e do texto na história, isto é uma relação estrita com o
sujeito. Sendo assim a diferença entre influência e intertextualidade é que a
primeira está relacionada com o individual e a segunda com o coletivo ( social),
não tendo “nada haver o intertexto com o velho conceito de influência”. Em suma
o conceito de intertextualidade derruba o conceito de influência, por se
apresentar como um sistema de trocas.
Como foi visto, muitas
foram as tentativas de se definir o objeto de estudo da literatura comparada,
muitas tentativas foram questionadas ou superadas, percebendo-se que não há uma
única teoria literária comparatista, sendo que atualmente a teoria da
intertextualidade é a mais aceita no que tange à literatura comparada.
NITRINE, Sandra.
Literatura Comparada. São Paulo: Edusp,1997.
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