quarta-feira, 20 de agosto de 2014

UM PANORAMA DA TRAJETÓRIA DA LITERATURA COMPARADA


UM PANORAMA DA TRAJETÓRIA DA LITERATURA COMPARADA

                FRANCISCA LUCILENE SANTOS DA SILVA

O presente trabalho tratará do percurso histórico da Literatura Comparada, da tentativa de alguns teóricos em delimitar seu campo de estudo bem como alguns conceitos explorados no decorrer da história dessa disciplina.
As origens da Lieratura Comparada se confundem com as da literatura, por isso, muitas são as tentativas ao longo dos anos de defini-la assim como seu objeto de estudo. Dentre os que tentaram fazer isso estão Philaréte Chasles, Paul Van Tieghem,  Hennry H. H. Remak, Wellek,  Durisin, Adriano Marino entre outros.
Philaréte Chasles na sua obra “Litérature étrangére comparée” procurou definir o objeto da literatura comparada através da influência, pois um escritor pode muito bem ser influenciado pela História e cultura de seu povo, ou seja, pela forma de pensar de uma nação. Essa questão da influência veio á tona porque q questão da identidade estava sendo discutida em toda a Europa.
Brunitiére foi um dos precursores na defesa da literatura comparada, defendendo o “cosmopolismo” da literatura, pois no estudo das literaturas não se deve ser considerados apenas aspectos nacionais. A discussão a respeito da literatura comparada se tornou initerrúpta buscando responder: qual o objeto da literatura comparada? A comparação pode ser objeto de uma disciplina? Se literaturas específicas não têm seu cânon, o que seria um cânon comparativo? Como o comparatista seleciona seu objeto de comparação? A literatura comparada constitui uma disciplina? Ou é apenas um simples campo de estudos? (perguntas apresentadas na introdução de Comparative Lierature de Susan Basssnet). A seguir serão expostos os pensamentos de alguns representantes dessa duradoura discussão.
O ponto de partida na tentativa de compreender o objeto de estudo da literatura comparada, foi a obra de Paul Van Tieghem intitulada La littérature comparée, publicada em 1931, onde o conceito de literatura comparada, se explicita como disciplina que se situa entre a história literária de ama nação e a historia geral, portanto e uma disciplina independente com seus próprios métodos. Este comparatista francês separou a literatura comparada da literatura geral, ao passo que a primeira trata  das relações entre as lieraturas nacionais ou internacionais enquanto que a segunda sintetiza oque há de comum entre literaturas.
O comparatista espanhol Cláudio Guillén, retoma esta questão no seu livro “Entre lo Uno y lo Diverso: introdiución a La Literatura comparada” dizendo que, a literatura comparada e a literatura geral não são independentes, o que não quer dizer que não haja diferenças entre elas, estabelecendo uma relação entre o papel exercido pela literatura geral que é cumprido pela teoria literária, o que prova suas relações de dependência.
Outra definição de literatura comparada é de Hennry H. H. Remak, no seu artigo “Comparative Literature, Its Definicion and funcion”, no qual procurou definir literatura comparada:

Literatura comparada é o estudo da literatura, além das fronteiras de país particular, e estudo das relações entre literatura, de um lado, e outras áreas de conhecimento, e da crença, tais como as artes ( ex: pintura, escultura, arquitetura, música), filosofia, história, ciências sociais, religião etc., Em suma, é a comparação de uma literatura com a outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana( Remak,1971,p1  apud Nitrini)

 Como se pode notar a proposta de Remak é inserir outras ciências e outros campos do saber no campo da lieteratura comparada o que foi de encontro com as escolas amricana e francesa, pois ambas admitiam que a literatura comparada fosse uma disciplina isolada, já que  a escola francesa privilegiava os métodos históricos enquanto que os americanos defendia o paralelismo.
Mais tarde na década de 50 aparecem  novos defensores das idéias ( anti- historicistas), René Entiemble, estuda obras afastadas no tempo, desconsiderando a história no estudo da literatura comparada como principal foco.Nos anos 60 e 70 há uma tendência para a conciliação entre as  entre as escolas( francesa e americana) , na visão de Phois , Rousseau e Haskell Block, apontando para o valor intrínseco da obra literária tanto na América quanto na Europa.  A metodologia da tendência francesa, no pensamento de Paul Van Tieghem, qualquer estudo deve levar em consideração três elementos: o emissor ,o receptor e o transmissor, por isso no trabalho com a literatura comparada não se deve levar em consideração apenas o texto, uma vez que a vida do autor bem como a do receptor e as condições em que o texto foi produzido deve sim serem colocadas  em questão. Há duas maneiras de se estudar a literatura comparada segundo ele: sob o ponto de vista da passagem (texto em si) e sob o ponto de vista do receptor (as condições sociais e psicológicas em que este texto foi produzido), no entanto há para ele outra forma de estudo, as dos intermediários (indivíduos, meios sociais, críticas, tradução e tradutores).
Esses princípios metodológicos do estudioso francês foram criticados por René Wellek, ele não criou nada novo, mas contribuiu ao propor um fundamento para os estudos literários baseado na tríade: história/ teoria/critica literárias. Para Wellek o objeto da literatura comparada se tornou que obsoleto por causa d a enorme gama de paralelismo, de similaridades e identidades que na visão dele não contribuiu em nada para teoria literária. Wellek não descreveu explicitamente uma metodologia da literatura comparada, mas acredita que ela se define pela perspectiva e espírito.
A legitimidade e alcance humano da literatura comparada se fez na voz de Munteano , em “situation  de la littératura comparée. As portée humamaine et  légitmité”, par ale são três s vias responsáveis pela comunicação entre os pólos individual ( emissor) e universal                     ( receptor),  para este estudioso a dificuldade  para a literatura comparada não está em demonstrar sua legitimidade mas em  determinar seus limites, numa linha humanista dos estudos literários Munteano define literatura comparada.

[...] no rastro da eterna dialética, em pleno processo mental e virtual da “comparação”, o acesso próprio aos homens, e não menos a natureza, em geral, vale dizer; em plena concordância militante, em plena luta. De onde já seu alcance humano, que vem se aprofundar ainda mais as constantes estruturais sobre as quais a literatura comparada deve sustentar o edifício movediço da história, e que empurram as raízes profundas na mesma substância humana, das quais retiram suas seivas vitais. (Munteano apud Nitrini).

Percebe-se aqui que a literatura comparada se faz no processo da história e como quem faz a história são os seres humanos ela se revela por meios de processos humanísticos.
No comparatismo de René Etiemble a concepção mecânica de influência foi questionada em “Comparaison n’est pás raison”, na qual admite a legitimidade da comparação mesmo quando não houver influência. Etiemble pensa que a literatura comparada nunca chegará a definir sua identidade, se os estudos históricos  dos franceses não forem considerados como fim supremo, para ele as duas escolas não  são inconciliáveis, propondo uma renovação radical d literatura comparada tradicional, negando o estudo das influências num sentido único, a transgressão e a superioridade de algumas grandes literaturas sobre o resto o resto, sem levar em consideração que toda literatura pode servir de base para outra. Ele nunca negou  o nacionalismo exagerado, a resistência às influências estrangeiras. No seu projeto, cada literatura que recebe influências estrangeiras contribui de alguma forma para a literatura comparada, uma vez que nenhuma literatura é impermeável.
O comparatismo do leste europeu também contribuiu para quebrar a polaridade de aproximação das escolas francesas e americanas. A partir de 1967 os teóricos do leste Europeu começam confrontar com os países ocidentais, concordando com certos pressupostos metodológicos e metódicos, inclusive os histórico-literários. Victor Zhimunsky foi um dos representantes do leste, com sua fundamentação hipotética da literatura comparada, que muito contribuiu para investigação marxista. Ele retoma a teoria levantada por Veseloski, considerado o fundador do comparatismo, se afastando do modelo da influência literária. A mais importante tese de Veseloski  é da “correntes de convergência” essencial para a realização de contatos literários, no qual  ele enfatizou o papel do receptor no processo de aceitação do elemento externo ( o social). O comparatista húngaro Söter, considera a literatura universal como o sistema dos sistemas, que engloba todas as literaturas nacionais, pois toda literatura nacional advém da literatura universal, mas pode acontecer o contrario, sendo assim qualquer estudo literário fracassaria se se encerrar nos limites da literatura nacional.
A crise da literatura comparada nos anos 80 se faz com base na reflexão de Adrian Marino, discípulo de Entiemble, em ”Comparattisme et théorie de la littérature”, no qual ele nega os princípios epistemológicos dos franceses  e critica  os americanos, sua ideia principal é converter a literatura comparada em teoria, baseando-se em três aspectos: a renovação do conceito de literatura universal,  a dissociação  do comparatismo da ideia de comparação e visão global do conceito de literatura(histórica, morfológica e teórica).Marino não consegue resolver a crise da  literatura comparada e não consegue defini-la, deixando espaço para críticas posteriores. No final do século XX se inaugurou uma nova fase da história literária, quando se observou uma preocupação com a identidade cultural nacional, inaugurando uma nova fase da literatura comparada, os países do chamado terceiro mundo começam a questionar o cãnon dos grandes escritores europeus, inaugurando a literatura pós-colonial, onde os fatores históricos, sociais e econômicos foram levados em consideração, isto é houve uma valorização da cultura nacional.
Ana Pizarro foi uma dos representantes dos estudos para a sistematização das direções do comparatismo na América Latina, ela se baseou nas reflexões de Ángel Rama e Antonio Candido (identidade da cultura latino-americana). Pizarro descarta totalmente o modelo comparatista metropolitano, pensando que há um campo metodológico a ser estudado adequado na América Latina e que, portanto a crise do comparatismo no final do século XX não é universal.
Umas das propostas teóricas mais pertinentes dos anos 80 é a de Dionys Durisin “Theory of Literacy Comparatistics”, de acordo com este teórico, o objetivo da literatura comparada é a essência tipológica e genérica do fenômeno literário, se valendo da dialética individual/geral dentro do processo literário, ocorrendo um movimento dialético entre as duas partes,  partes estas que para ele estão estreitamente interligadas, considerando os contatos externos necessários para os estudos Interliterário, gerando assim um processo de intertextualidade nos fenômenos literários (autor, escola, gênero, tendência e literatura nacional).
O precursor da teoria do polissitema foi Even Zohar, na década de 60, baseando-se no formalismo russo dos anos 20, vale lembrar que essa teoria não se limita ao campo da literatura. Na sua obra “Polysistems theory”(1990), ele lembra que dentro do formalismo russo o conceito de literatura sofreu muitas transformações, chegando a ser encarada por alguns como cultura.  Na concepção de Nitrini, o polissistema é um todo multiplamente estratificado em que as relações entre o centro a periferia constitui uma série de oposições. Na teoria polissistêmica não se pensa de um centro e de uma periferia , pois não privilegia uma única linha mas todas onde a literatura recebe influências das periferias e mais só do centro, considerando o dito não-canônico dentro da literatura, já que o centro do polissitema  é o repertório canônico, que concebido através de padrões culturais, cultivados pela elite a dita literatura dos povos mais abastados no ponto de vista econômico e cultural. O texto constitui um fator ativo no polissitema, como se pode observar no seguinte esquema:

Instituição
(contexto)
Repertório
(código)

                                        Produtor              TEXTO                 Consumidor
                                      (escritor)                                                 (receptor, leitor)
Mercado
(contato)
Produto
(mensagem)

O texto nem sempre é o elemento central do polssistema, podendo haver uma relação de interdependência entre estes fatores. Zohar não explicita o objeto de estudo e o método da literatura comparada, mas toma posição diante do comparatismo tradicional, opondo-se a ideia de uma essência da literatura.
Dentre os conceitos que funcionaram como elo entre “Percursos Históricos e teóricos” e “Literatura Comparada no Brasil”, estão a Influência, a imitação e a Originalidade. O conceito de influência apesenta duas concepções diferentes, a de soma de relações de contato de qualquer espécie e a de ordem qualitativa. A influência pode ser confundida com imitação, neste caso a primeira Não se refere a detalhes materiais e a segunda sim, a influência   não se revela de maneira concreta mas deve ser buscada, se apresenta de maneira sutil. A originalidade é assimilação, absorção é semelhante ao antropofagismo do Realismo Brasileiro “O desejo de originalidade é o pai de todos os empréstimos, de todas imitaçãoes”( Valéry,1974 apud Nitrini), portanto o mais é o mais influenciado.
A teoria da intertextualidade apareceu dentro do contexto de renovação dos estudos de literatura comparada, esta teoria concebida por júlia Kristeva trata da presença de um texto dentro do outro , pois:

 “A intertextualidade se insere numa teoria totalizante do texto, englobando suas relações com o sujeito, o inconsciente e a ideologia, numa perspectiva semiótica”(...). “Todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de outro texto. Em lugar de noção de intersubjetividade, instala-se o da intertextualidade e a linguagem poética”. (Kristeva,1969).


Como se pode notar há uma situação de ambivalência implicando a inserção da história e da sociedade no texto e do texto na história, isto é uma relação estrita com o sujeito. Sendo assim a diferença entre influência e intertextualidade é que a primeira está relacionada com o individual e a segunda com o coletivo ( social), não tendo “nada haver o intertexto com o velho conceito de influência”. Em suma o conceito de intertextualidade derruba o conceito de influência, por se apresentar como um sistema de trocas.
Como foi visto, muitas foram as tentativas de se definir o objeto de estudo da literatura comparada, muitas tentativas foram questionadas ou superadas, percebendo-se que não há uma única teoria literária comparatista, sendo que atualmente a teoria da intertextualidade é a mais aceita no que tange à literatura comparada.









NITRINE, Sandra. Literatura Comparada. São Paulo: Edusp,1997.


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